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Acidente de trabalho: o dilema de ter ou não que indenizar

Publicada em 01/08/2014 às 11h14

 Tema muito debatido pela doutrina e pelos tribunais no Brasil diz respeito à obrigação da empresa de indenizar o empregado em caso de acidentes de trabalho. O ponto fulcral da questão, porém, cinge-se à definição da responsabilidade do empregador: objetiva ou subjetiva.

Diz-se objetiva, a responsabilidade, em resumo, quando o dano deve ser indenizado, independente de culpa pelo acidente, ou seja, ocorrendo o dano, o empregado deve ser indenizado pela empresa, não importando se esta concorreu ou não para o infortúnio. Assim, por esse raciocínio, a empresa deve sempre indenizar o empregado, bastando restar comprovado que o acidente ocorrera enquanto o trabalhador exercia seu labor.

Juridicamente, fundamenta-se o argumento supra, no artigo 927, parágrafo único do Código Civil de 2002, o qual estabelece que fica obrigado a reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A interpretação que se tem buscado dar, pelos que defendem a responsabilidade objetiva do empregador, é que se a atividade desenvolvida pela empresa, pela própria natureza, colocar em risco, de alguma forma, o empregado, vindo a sofrer este qualquer infortúnio, a empresa seria obrigada a indenizar. Exemplifica-se: Um motorista que sofre um acidente de trânsito estando a serviço da empresa deve ser indenizado, independente dele ser culpado ou não pelo acidente, pois a sua atividade, por si só, especialmente em face do trânsito brasileiro onde milhares de acidentes ocorrem todos os anos, já seria de risco, estando pois dentro do risco da atividade do empregador.

A 2a Turma do Tribunal Superior do Trabalho - TST, no processo RR 123900-06.2009.5.17.0002, posicionou-se nesse sentido, aduzindo que “a legislação vigente tende a acolher a responsabilidade objetiva em tema de reparação civil, especialmente quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco, conforme dispõe o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, admitindo, assim, no âmbito do Direito do Trabalho, a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos casos de acidente de trabalho. Na hipótese dos autos, não há dúvida de que a atividade profissional desempenhada pelo de cujus era de risco, pois o motorista de caminhão (motorista profissional) está mais sujeito a acidentes do que o motorista comum. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte, que adota a responsabilidade objetiva do empregador por acidente ocorrido com empregado no desempenho de atividade de risco, motorista de caminhão, não havendo cogitar da necessidade de comprovação de culpa ou dolo da empregadora para responsabilizá-la.”

A contrariu sensu, pela tese da responsabilidade subjetiva,o empregador só estaria obrigado a indenizar o trabalhado, comprovados que o acidente ocorrera, cumulativamente, no exercício da atividade laboral e em razão de culpa do empregador. A culpa caracteriza-se pela negligência, imprudência ou imperícia, lembre-se. Assim, o empregador apenas estaria obrigado a reparar o dano caso ficasse demonstrado que ele, empregador, concorrera de alguma forma, para o acidente. Se a culpa pelo acidente foi do empregado, que agiu de forma imprudente, ou com negligência, ou ainda, com imperícia, o empregador estaria isento da responsabilidade de indenizar.

Nesse sentido, a fundamentação que se tem buscado são duas: a primeira e mais forte, é a que toma por base o artigo 7o, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, o qual disciplina que os trabalhadores urbanos e rurais têm direito a serem indenizados pelo empregador, quando este incorrer em dolo ou culpa. A interpretação, dessa forma, seria a de que o empregador somente teria a obrigação de indenizar quando incorresse em dolo ou culpa, caso contrário, não deveria indenizar. A segunda, seria nos casos em que a culpa fosse exclusiva do empregado, ou seja, quando restar comprovado que a culpa pelo acidente fora unicamente do empregado, não haveria razão para o empregador indeniza-lo, pois não concorreu de forma alguma para a existência do infortúnio, sendo a culpa exclusiva da vítima uma clara excludente da responsabilidade.

Desse modo, utilizando-se por base o mesmo exemplo do motorista acima referido, se a culpa pelo acidente tivesse sido do próprio motorista, a empresa não estaria obrigada a indenizar.

O TST, através de sua 7a Turma, em processo de relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho, processo RR 83585-12.2007.5.12.0012, decidiu que “a indenização por danos materiais ou morais, exigível pelo empregado perante o empregador na Justiça do Trabalho (CF, art. 114, VI), tem assento constitucional, mas somente para o caso da ocorrência de culpa ou dolo do empregador (CF, art. 7º, XXVIII), o que descarta de plano a aplicação da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva previstas legal (CC, art. 927, parágrafo único) ou constitucionalmente (CF, art. 37, § 6º), uma vez que, na compreensão do STF, a responsabilidade trabalhista é exclusivamente contratual, não comportando a civil extracontratual (cfr. ADC 16-DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 09/09/11). (...) Assim, os critérios para o reconhecimento do direito à indenização são: a) a existência da lesão a bem moral ou material constitucionalmente tutelado; b) o nexo de causalidade da lesão com ação ou omissão imputável ao empregador; c) o dolo ou a culpa deste.”

Pelas duas decisões do TST referidas acima, percebe-se que não há uma voz uníssona, e as divergências ainda persistem. A doutrina, por sua vez, não pode quedar-se silente e acomodar-se na espera do pensamento dos magistrados. A doutrina tem um papel importante a cumprir e não pode inverte-lo. A doutrina é quem deveria servir de subsídio, de norte para as decisões judiciais, e não o inverso. Os doutrinadores não podem deixar de pensar o direito in abstrato, deitando em berço esplêndido à espera de um posicionamento dos tribunais.

Nesse diapasão, é imperativo aliar-se ao pensamento constitucional que estabelece a obrigação de indenizar pelo empregador em caso de dolo ou culpa, apenas, e não em qualquer situação que o empregado venha a sofrer um acidente. Pensar ao contrário seria criar uma responsabilidade objetiva que o legislador constituinte não estabeleceu. Não se pode esquecer, ainda, que o direito tem no sentimento de justiça um princípio fundamental, que remonta ao próprio direito natural, não sendo justo, pois, que alguém, independente de ser empresa ou não, seja obrigado a reparar um dano para o qual não concorreu, ou pior ainda, a reparar um dano em que a culpa fora exclusivamente de um terceiro.Não se pode, sob o argumento de que se trata de um risco da atividade empresária, colocar mais esse pesado fardo sobre as costas do empregador, que já não suporta mais carregar tantos outros pesos.

Fonte:revistadireitohoje.com.br/campelofilho

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